TEOLOGIA DA RECOMPENSA OU DA GRAÇA?


Ailton Sanches Jr

Com a intenção primeira de reinterpretar os temas da teologia da Retribuição, o autor do Livro da Sabedoria questiona, coloca em xeque e ressignifica a questão da esterilidade/fecundidade como maldição para o primeiro grupo (aqueles que não têm filhos) e bênção para o segundo (descendência numerosa). No seu exercício de reinterpretação, o autor desdramatiza o argumento lógico da Retribuição para a esterilidade e dramatiza o pensamento óbvio da descendência numerosa.

Ao questionar, o autor pretende levar seus leitores a perceberem algo além: de que a bênção de Deus está, na verdade, sobre todos (independente de terem descendência ou não) aqueles que amam os seus caminhos, buscam agradá-lo e testemunham do seu poder e graça. Para o autor, de nada adianta ter filhos e não ser justo ou, também, não ter filhos e ser injusto.

Desse modo, a mensagem que o autor quer transmitir, por um lado, é um chamado a uma nova leitura da tradição judaica (da Retribuição) focada no amor a Deus acima de todas as coisas. O principal não é o que se , mas o que se espera, em que ou em quem se deposita a confiança da vida. Para isso, o uso de um tom apocalíptico em suas palavras. O tema da athanasía (imortalidade) perpassa sua argumentação, como alguém que conhece, muito bem, as tradições da de Israel e da cultura religiosa helenística. Segundo Líndez:[1]

A nova chave de interpretação está na segura e firme na imortalidade pessoal, prometida e querida por Deus, para além da morte, e no ensinamento sobre a retribuição também ultraterrena, segundo o juízo misericordioso, sereno e insubornável de Deus”.

Por outro lado, o autor pretende alcançar outros ambientes não-judaicos. Assim, é possível que o autor destine seu texto também aos pagãos, inclusive os mais nobres, de Alexandria (1.1; 6.1). Líndez garante isso quando afirma: “naquele tempo a difusão literária era muito grande e as fronteiras ideológicas quase não existiam, pelo que as influências se podiam dar e de fato se davam em todas as direções”.[2]

O Livro da Sabedoria, em geral, discute a Teologia da Retribuição, exalta a sabedoria, fala da relação do homem (justo/injusto) com Deus, com o próximo e com a criação e, de modo amplo, fala da vida, para a vida e por meio da vida. Sendo assim, que lições podem ser retiradas do texto da Sabedoria? O que ele fala ainda hoje? O que tem a transmitir para os cristãos hodiernos?

Propõe-se, então, duas aplicações. A primeira, fala do relacionamento do homem com Deu diante dos dilemas do sofrimento humano. A segunda, com relação à prática pastoral relacionada à formação da mentalidade do cristão rumo à maturidade.

Primeira Aplicação

O cristianismo moderno tem procurado negar o lugar e significado do sofrimento no processo de nosso amadurecimento espiritual. Essa distorção se reflete nas inúmeras desculpas que são dadas quando se tenta justificar ou encontrar uma explicação para os eventos “desagradáveis” que acometem homens e mulheres diariamente. São respostas simplistas, reducionistas, para acontecimentos tão sérios. O problema do sofrimento não é tão simples que se possa resolver tão facilmente, utilizando-se fórmulas cartesianas. Alguns líderes cristãos têm até tentado mascarar toda essa questão do sofrimento na tentativa de encontrar a razão e a explicação para a sua origem. Argumentam que todo mal sofrido por uma pessoa decorre de suas próprias ações em uma espécie de teologia da Retribuição. Aliás, por menção, as atuaisteorias da prosperidade” nada mais são do que versões reloaded da antiga concepção israelita.

Mesmo apresentando e ressignificando o tema da teologia da Retribuição como movimento didático-pedagógico da parte de Deus[3], o sapiencialismo presente no Livro da Sabedoria pode, e muito, ajudar o homem de hoje a manter uma espiritualidade cristã madura e reconhecer os caminhos de Deus nos momentos adversos. Maturidade espiritual genuína é estar em perfeito relacionamento com Deus a ponto de compreender seus propósitos e planos a todo instante, sejam eles, aos olhos humanos, bons ou maus.

Segunda Aplicação

Vive-se um esvaziamento de sentido da/na formação do novo cristão (neófito). Muitos chegam às igrejas, muitas vezes impressionados pelo que veem e terminam aderindo à . Graças a Deus por isso se, de fato, a conversão é genuína! Mas, que tipo de formação estes novos cristãos recebem? Esta última lição do Livro da Sabedoria diz respeito à formação cristã, ao discipulado.

Considerando a hipótese de uma preocupação séria acerca do discipulado, genuinamente cristão que forma para a justiça e o amor cristãos, não para o simples legalismo, para uma vida sábia e não volúvel (tão comum nas igrejas hoje!), Sabedoria fornece as “ferramentasideais para que a igreja possa formar seus membros diante de todos os aspectos da vida.

Uma igreja que não se preocupa com a formação de seus membros, não espiritual, mas também teologicamente, mesmo que seja um tipo de formação simples (mas, que seja!), tem a forte tendência de, futuramente, desabar diante do mais fraco vendaval; vendaval de doutrinas, modismos, “unções”... Somente uma igreja preocupada com a formação de seus membros pode resistir a esses e outros tipos de influências, pois, sua base, o corpo, é estruturalmente estabelecida.



[1] LÍNDEZ, J. V. Sabedoria e sábios em Israel. São Paulo: Loyola, 1999, p. 103.

[2] Idem. Sabedoria. Coleção Grande Comentário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1995. p. 56.

[3] Schweinhorst-Schönberger, L., et alii, Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003. p. 330.


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