Os cavaleiros do Apocalipse e o fim do mundo que vivemos

 Sidney Sanches

I.              A profa. Dra. Ana Maria Carrillo Farga trabalha no Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina, na Universidade Nacional do México. Ela é uma historiadora da medicina e estudiosa das epidemias desde que elas se tornaram um problema de saúde pública. Ela deu uma ótima entrevista ao periódico online El País, na edição de 9 de abril de 2021, e vale a pena resumir as ideias principais.[1]

É comum momentos históricos em que doenças aparecem nas sociedades que vivem situações anormais como consequência de guerras e fome. Elas estão fragilizadas e incapacitadas de lidar com a doença, então sucumbem facilmente. Todavia, o modo como as sociedades trataram com a doença variou bastante: quando não era possível esconder a doença, ora se buscava um bode expiatório, ora se usava a doença como mecanismo de conquista e vantagem política e comercial.

O enfrentamento da doença pela sociedade é feito a partir de duas lógicas: deve-se permitir que a doença se espalhe de modo que os mais resistentes sobrevivam, ou deve-se controlar a doença de modo que os mais vulneráveis tenham uma chance? Ambas as lógicas estão atreladas a outras duas: deve-se deixar os doentes à própria sorte, ou dispor um atendimento à saúde capaz de acolhê-los para que tenham uma chance? E, então, surge a lógica final: não seria correto deixar que a doença leve os incapazes de modo que os capazes continuem o avanço da sociedade?

Foi dito, acima, que a doença se aproveita de uma sociedade fragilizada pela guerra ou pela fome. Todavia, sobre a atual emergência mundial da pandemia da COVID-19 ou Novo Coronavírus, qualquer um de nós deveria se pôr duas perguntas. A primeira, é: vivemos uma época de riqueza e informação jamais vivida antes, então por que a força avassaladora dessa doença? E a segunda, é: uma doença sempre viajou de uma sociedade para outra, mas isso acontecia muito vagarosamente, então por que essa doença se globalizou em questão de meses?

A resposta à primeira pergunta considera que a riqueza e a informação estão concentradas em poucas sociedades e, nelas, em poucas pessoas, relegando as demais à pobreza e ignorância. A concentração da riqueza não permitiu formar um sistema de atenção à saúde de todos, algo negligenciado pela maioria dos responsáveis por administrá-la, especificamente os estados e o capital privado.

A resposta à segunda pergunta considera a globalização comercial e sua formidável rede de transportes para fazer o comércio circular mais rapidamente, para gerar mais riqueza no tempo mais curto possível. O vírus COVID-19 viajou de avião pelo mundo, aterrissou nos aeroportos até chegar a todas pessoas. É o nosso modo de vida atual que permitiu a rápida circulação e transmissão do vírus e, para aos cientistas e autoridades de saúde, é a reversão desse processo que nos salvará dele.

II.             Vivemos um desses tempos apocalípticos que exigem respostas apocalípticas, e, temos o Apocalipse cristão para nos ajudar a encontrá-las. A literatura apocalíptica é um manifesto panfletário contra a ordem dominante. Imagino que, se fosse hoje, os apocalípticos seriam aqueles a pôr o dedo no nosso nariz, dizendo: “Estão vendo onde esse modo de vida que escolhemos está nos levando? Ele precisa ser destruído para que um novo mundo apareça. E, somente Deus, que é Criador e Sustentador de todas as coisas poderá fazer isso”.

A primeira cena do Apocalipse é o trono de Deus e do Cordeiro, de onde saem os quatro cavaleiros. Eles representam nossa exclusiva obra humana: seres humanos despóticos, sedentos de poder, jogam uns contra os outros manipulando ideias e preconceitos para matar quem discorda deles; decidem quem vive pelo acesso aos alimentos; fazendo um pacto com a morte e o Hades, que apenas colhem os frutos sem precisarem fazer nenhum esforço para encher seus depósitos. O Apocalipse diz que não há uma esperança para a sociedade humana que não passe por uma purificação do mal que opera nela.

III.            Muitos, nesse momento, estão ocupados em tirar ensinamentos da pandemia global. Um leitor atento do Apocalipse diria que:

1. O capitalismo global como está posto até a pandemia é inviável e não podemos seguir com ele. Tem que suceder um onde as pessoas produzem e consomem o absolutamente necessário para a vida, de modo que os demais seres viventes também tenham sua parte nele, o que significa: menos bens, menos produtos, menos consumo e menos renda.

2. Governos centrais fortes, autoritários ou despóticos não podem colocar ordem no caos social global que está por vir. O Cordeiro de Deus foi morto e com seu sangue resgatou pessoas para Deus, porque elas importavam como pessoas. Esses regimes humanos não resgatam pessoas, eles as manipulam e as matam. Precisamos de verdadeiras comunidades humanas onde cada pessoa realize seu pleno potencial, com toda a liberdade.

3. A ciência é o único recurso que temos para sair da pandemia global, mas ela tem sido um instrumento técnico-tecnológico desse mundo que está se desfazendo. Precisamos de uma nova ciência que seja uma nova Razão, nem instrumental nem técnica. E é muito significativo que esse novo começo da ciência e da Razão seja pela atenção à saúde humana, ao corpo que sofre de uma doença, e o foco e objetivo seja a cura. O conhecimento é bom, a ignorância é ruim, mas a ciência arrogante deve ser trocada por uma ciência alegre, humilde e útil para toda pessoa humana.

4. A religião está sendo provada duramente pela pandemia, porque se tornou um conglomerado de organizações, com objetivos próprios, visando à autopreservação. Especialmente, a cristã, cujos templos estão vazios, os recursos reduzidos e as lideranças desacreditadas devido à exposição de suas alianças terrenas esdrúxulas. Devemos deixar de dar crédito aos institutos eclesiásticos que funcionam como parceiros da ordem que se vai. E, criar novas comunidades anti-institucionais, à margem, acolhedoras o suficiente para serem companheiras da dor e sofrimento humanos.

IV.           Para o Apocalipse cristão, a solução definitiva para as crises humanas, essa e outras que virão, não está nas mãos humanas, mas no trono onde estão Deus, o Cordeiro e o Espírito. Mas, ela passa pela palavra mais evangélica: arrependimento. E, a pergunta é: Por que temos de esperar o juízo divino, se o arrependimento pode ser aqui e agora? Estamos em uma época, a mais favorável de todas que a humanidade já teve na Terra, na qual amadurecemos o suficiente para virarmos essa página, e começarmos um mundo novo, verdadeiramente apocalíptico.

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